Competição interespecífica: efeitos ecológicos
A competição interespecífica é a competição que ocorre entre espécies diferentes. Segundo Townsend et al (2010) a essência da competição interespecífica é que indivíduos de uma espécie sofre reduções na Fecundidade, Sobrevivência e Crescimento como resultado da interferência ou exploração de recursos de indivíduos de outras espécies.
As espécies são frequentemente excluídas de diversos habitats, pela competição interespecífica, onde poderiam viver perfeitamente bem se não houvesse a competição interespecífica.
Ou seja, existem habitats que são disputados por duas ou mais espécies, mas a espécie competidora mais eficaz acaba eliminando as outras, sendo que as outras (ou a outra) poderiam viver muito bem neste habitat, caso não houvessem competição.
Existem basicamente dois modos de competição interespecífica, a competição interespecífica por interferência ou por exploração de recursos. Basicamente, a competição interespecífica por interferência é observada quando espécies diferentes estão diretamente em contato umas com as outras, muitas vezes como resultado simplesmente da sobreposição de áreas de vida de ambas.
A competição por recursos é mais abrangente. É notável que os indivíduos estão competindo por diversos recursos disponíveis mas que estão limitando de alguma forma o crescimento, sobrevivência e fecundidade de ambas.
Uma teoria importante foi elaborada por Gause, um reconhecido biólogo alemão, para tentar compreender como realmente funciona competição interespecífica na prática. Ele chamou a sua teoria de "Princípio da Exclusão Competitiva, que diz basicamente duas coisas:
1. Duas espécies podem coocorrer num mesmo habitat, competindo interespecificamente, através da diferenciação de nichos realizados. O nicho, como descrevo neste post, é um conjunto de condições e recursos que possibilitam a sobrevivência da espécie, sendo definido como n-dimensional, por possuir diversas dimensões (tipo de alimentação, tipo de abrigo, temperatura preferida, etc) diferentes entre cada espécie. Ele é dividido em nicho fundamental e nicho realizado. O nicho fundamental é o conjunto de condições e recursos que possibilitam a sobrevivência da espécie, sem a presença de competidores. Já o nicho realizado é o conjunto de condições e recursos que permitem a sobrevivência da espécie em competição com outra espécie.
O princípio exclusão competitiva diz que duas espécies competidoras podem coocorrer em determinado local, mas para isso elas precisam possuir nichos realizados diferentes. Mesmo que compitam por um mesmo habitat, como duas espécies de peixes muito semelhantes vivendo num rio, uma espécie pode se alimentar de larvas de invertebrados aquáticos, enquanto a outra pode se alimentar dos invertebrados adultos. Elas estão coocorrendo num mesmo habitat, mas diferem na em uma dimensão de seus nichos realizados, uma se alimenta de larvas e outra de invertebrados adultos, o que tende a diminuir certa parte do efeito da competição interespecífica pelo hábitat e locais de forrageio.
2. Quando duas espécies competidoras não possuem diferenciação no nicho realizados, a competidora mais forte acaba excluindo a espécie mais fraca. Se duas espécies de peixes do mesmo lago se alimentam de adultos de invertebrados aquáticos e forrageiam no mesmo local, elas estão competindo diretamente, e assim, a espécie que explora melhor este recurso alimentar irá excluir competitivamente a que não é muito eficaz na exploração deste recurso. Neste caso, entra em questão a seleção natural, onde uma espécie pode ser favorecida na competição por conta de seus atributos morfológicos e fisiológicos que a possibilitam encontrar e capturar mais alimentos.
COMO SABER SE AS ESPÉCIES ESTÃO COMPETINDO?
Existe um experimento bem simples que demonstra se duas espécies estão competindo ou não: basta apenas remover uma espécie e observar o que ocorre com a oura espécie.
Se, após remover uma espécie, a outra aumentar em abundância (maior fecundidade, crescimento e reprodução), podemos então ver que realmente havia uma competição entre elas. Porém, se não houver modificações na população da espécie que está no experimento, é possível concluir que as espécies não estão competindo.
A HETEROGENEIDADE AMBIENTAL E A COMPETIÇÃO INTERESPECÍFICA
Os ambientes naturais são compostos por diversas manchas ou clareiras: eles podem parecer constantes e imutáveis, mas na verdade, eles sofrem muitas modificações ao longo do tempo, mesmo não parecendo em muitos casos.
Se olharmos para um costão rochoso no litoral, vendo as ondas todos os dias batendo nele, veremos que este ambiente é constante e imutável: nós não podemos ver muitas alterações e interações entre espécies nesse local.
Porém, num olhar mais cuidadoso, veremos que este ambiente é completamente mutável e existem sim diversas interações entre espécies, inclusive há competição interespecífica mediada por essas modificações ambientais no costão rochoso.
Em meio às pedras há um banco de mexilhões que as colonizam e se alimentam de restos orgânicos trazidos pelas ondas. Porém, muitas vezes as alterações das ondas removem muitos mexilhões das rochas, criando manchas ou clareiras que se tornam disponíveis para outras espécies. Nesse caso, as algas iniciam a colonização dessas manchas abertas. Enquanto isso, os mexilhões vão se adensando e novamente colonizam essas áreas onde as algas se estabeleceram: por competição interespecífica. Mesmo que as algas sejam removidas totalmente desses locais, novamente as ondas removem mexilhões de outras áreas, e outra vez as algas as colonizam.
Esse processo é basicamente uma competição interespecífica mediada pela heterogeneidade ambiental. Se não houvessem as alterações nos bancos de mexilhões, não haveriam clareiras para as algas colonizarem, e consequentemente as mesmas seriam excluídas deste local, por serem fracas competidoras.
Graças às modificações ambientais, estas espécies podem coocorrer num mesmo habitat, competindo intensamente ao longo das alterações ambientais.
EFEITOS EVOLUTIVOS E A COMPETIÇÃO INTERESPECÍFICA
Muitas vezes as espécies podem não estar competindo hoje, mas em algum momento em suas histórias evolutivas elas competiram. Podemos esperar que as espécies tenham desenvolvido ao longo da evolução, características que lhes assegurem competir menos, ou não competir em nada.
As espécies competidoras em coexistência atualmente que desenvolveram a capacidade de evitar a competição, muitas vezes podem parecer a mesma espécie. Neste caso, muitos pesquisadores apelam para a invocar o "fantasma da competição passada". É impossível realmente provar que as espécies semelhantes em coexistência e que não competem atualmente, tenham competido no passado, ou, é impossível provar efeitos evolutivos da competição interespecífica, mas, estudos detalhados revelam padrões que não podem ser explicados de outra forma.
COMPETIÇÃO INTERESPECÍFICA E ESTRUTURA DA COMUNIDADE
A competição interespecífica tende a estruturar as comunidades, agindo principalmente dentro de guildas (grupo de espécies que exploram as mesmas classes de recursos).
A complementariedade de nichos pode ser distinguida em algumas comunidades onde as espécies ocupam posições similares em determinada dimensão de nicho, mas tendem a diferir em outras dimensões. Os nichos podem ser diferenciados através da utilização diferencial de recursos. Em muitos casos, contudo, a utilização diferencial de recursos se expressará como diferenciação de micro-habitats entre as espécies ou uma diferença na distribuição geográfica.
É bem simples entendermos estas relações. Duas espécies de peixes podem se alimentar de uma mesma espécie de invertebrado aquático que ocorre tanto em águas rasas quanto em maiores profundidades.
Porém, uma espécie de peixe se alimenta somente em águas rasas e outra ocorre mais em águas profundas. Desse modo, ambas compartilham uma dimensão de nicho (tipo de alimento preferido, no caso, a espécie de invertebrado) mas ao mesmo tempo se diferem em outra dimensão (uma espécie forrageia em águas rasas e a outra em águas profundas). Esta diferenciação acaba criando um micro-habitat entre essas duas espécies de peixes que são limitadas pela profundidade da água, variando na distribuição geográfica também, mesmo que tenham um mesmo tipo de item alimentar comum.
Alternativamente, a separação de espécies com dimensões de nichos diferentes pode ocorrer com base nas condições. Assim como as duas espécies de peixes acima se separam por conta da profundidade, elas também poderiam se manter distantes numa outra, ou em várias outras dimensões: temperatura, pH, disponibilidade de oxigênio dissolvido, luminosidade, e dentre outras condições. As espécies do exemplo poderiam se manter distantes por conta da disponibilidade de luz e não necessariamente pela profundidade em si da água. Talvez, a espécie que tenha preferência por águas rasas, também necessite de maior luminosidade pois necessita desta condição para capturar seu alimento. Já a espécie que ocorre em maiores profundidades, pode viver assim por conta desta estar adaptada à baixa disponibilidade de luz, ter melhor visão e desempenho nestes locais, e consequentemente pode ser sensível à grande quantidade de luminosidade, o que acaba coincidindo com maiores profundidas onde ocorre.
Ou seja, quando duas espécies estão competindo, ao mesmo tempo elas podem ter desenvolvido diversos mecanismos ao longo da evolução, evitando ao máximo maiores conflitos e disputas pela sobrevivência, de tal modo que algumas dimensões de seus nichos podem se sobrepor e causar a competição, mas outras mais podem também propiciar um distanciamento entre elas, evitando maiores competições.
Espero que tenham gostado deste post! :)
Fonte: Townsend, C. R.; Begon, M.; Harper, J. L. Fundamentos em Ecologia. 3ed. 2010.