Você sabe a diferença entre urubu e abutre?

Talvez você, algum amigo ou familiar já tenha usado essas duas palavras para se referir a alguma ave que viu voando por aí certa vez. Mas você já se perguntou se ambas se referem ao mesmo animal ou a bichos diferentes? Confundir urubu com abutre pode até ser algo comum, e de fato, tem explicação. 

Os urubus (palavra de origem indígena que designa “ave preta”) são aves que pertencem à família Cathartidae e são restritas ao chamado “Novo Mundo”, ou seja, o continente americano como um todo. Estas aves possuem tamanho médio, crânio pequeno, região da cabeça sem penas, bico relativamente fraco e nem por isso pouco afiado na ponta – adaptação que lhes permite rasgar as carcaças de que se alimentam, e basicamente buscam por alimento com auxílio de seu excelente olfato. Os condores (Condor-dos-Andes e Condor-da-Califórnia) são da mesma família dos urubus, porém, tem porte bem maior. Os urubus mais conhecidos são o Urubu-de-cabeça-preta (Coragyps atratus) e o Urubu-de-cabeça-vermelha (Cathartes aura). 

Os abutres, por sua vez, pertencem à família Accipitridae (a mesma que engloba águias e gaviões), e são típicos do chamado “Velho Mundo”, o que corresponde à África, Europa e Ásia. Enquanto existem cinco espécies de urubus (e duas de condores, seus parentes), existem dezesseis espécies de abutres por todo o Velho Mundo. Os abutres, em geral, têm maior porte, bico mais forte, buscam seu alimento com auxílio da ótima visão, alguns têm pescoço relativamente longo (se comparado com os dos nossos urubus, por exemplo) e excetuando-se o Abutre-barbudo (Gypaetus barbatus), os outros não tem a cabeça tão coberta por penas, ou simplesmente elas também estão ausentes, assim como nos urubus. Mas atente sempre para as exceções. Existem abutres menores que não apresentam todas estas características citadas acima. Um ótimo exemplo é o Abutre-egípcio (Neophron percnopterus).

Consegue perceber a diferença?

Saiba que nem todo urubu é preto! Por exemplo, o urubu-rei (Sarcoramphus papa) é uma ave grande e de aspectos morfológicos um pouco diferenciado, muito colorida, diferente do urubu-de-cabeça-preta ou do urubu-de-cabeça-vermelha. Do mesmo modo, o abutre-real (Torgos tracheliotus) é um pouco maior e possui algumas características que o torna único dentre os abutres.


Veja o infográfico abaixo e entenda um pouco mais sobre as diferenças dos urubus e abutres:


Entendendo a confusão
Para começar, urubus (na América) e abutres (na África, Ásia e Europa) desempenham um importantíssimo papel ecológico: eles se alimentam de carcaças de animais mortos, desta forma exercendo uma tarefa de sanitarização do ambiente, tirando os detritos nos quais se originariam bactérias, vírus e outros organismos que são patógenos até mesmo para o homem. Este sem dúvida é o principal motivo da confusão. Por serem um bom exemplo de Evolução Convergente (quando , ao longo da evolução, organismos apresentam características semelhantes mesmo não possuindo ancestrais comuns) as duas linhagens, ao longo de milhares de anos, e em função principalmente dos mesmos hábitos alimentares, acumularam semelhanças físicas. As mais marcantes são: bico afiado para rasgar a carne, um potente suco gástrico para digerir o que comem, poucas (ou nenhuma) pena na cabeça para evitar contaminações de patógenos que possam estar na carne pútrida de que se alimentam, asas grandes e largas para planar em correntes térmicas ascendentes enquanto buscam por alimento, dentre outras características. Por fim, um fato que também contribuiu com essa confusão é o de que na língua inglesa utiliza-se a palavra “vulture” para designar tanto urubus como abutres, e isso pode ter gerado muita confusão nas traduções de livros e nos filmes também.

Ameaça
Até mesmo estas importantes e magníficas aves, muitas vezes tratadas pelo homem com repulsa, correm risco de extinção. Do lado dos urubus, mas não precisamente um deles, o caso mais emblemático é o do Condor-da-califórnia (Gymnogyps californianus), espécie única da América do Norte, que atualmente está muito ameaçada por conta de caça ilegal, envenenamento por chumbo, DDT (um famoso pesticida), coleta de ovos, linhas de transmissão de energia, e claro, destruição de seu hábitat.

Eles sofrem muito com isso uma vez que são aves que se reproduzem em taxas muito baixas e tem maturidade sexual tardia. Já no caso dos abutres, o exemplo mais conhecido de risco a estas aves está relacionado ao envenenamento de carcaças de gado com diclofenaco (um antibiótico de uso humano e veterinário) principalmente na Índia (veja o vídeo logo abaixo). Naquele país, o gado bovino não é utilizado como carne de consumo humano e as carcaças são jogadas em áreas abertas, às vezes em grande número. Muitos destes animais, quando em vida, foram tratados com o diclofenaco, que permanece em seu corpo mesmo após morrerem. Quando o abutre se alimenta desta carne contaminada, passa a sofrer de problemas renais que o levam à morte (assista o vídeo anexado a esta postagem para conhecer melhor o assunto). O mesmo problema ocorreu também ao falcão pelegrino nos EUA na década de 1970, quase levando a espécie à extinção. A perda de urubus e abutres nos ecossistemas tem um sério risco ecológico, uma vez que seu alimento é o substrato ideal para diversos microorganismos que são potencialmente prejudiciais tanto à fauna quanto ao homem. Com a ausência destas aves, problemas epidemiológicos relacionados a estes patógenos aumentam consideravelmente. Por isso, é importante aprender sobre sua biologia e compreender sua relevância no contexto ecossistêmico como um todo.


Este post foi escrito por:

Thiago Augusto

Acadêmico de Ciências Biológicas
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN