Plástico de cana-de-açúcar se degrada em um ano por ação de bactérias

Graças aos esforços dos grandes pesquisadores do país a biotecnologia brasileira vem se destacado vagarosamente no cenário mundial, como prova disso hoje já contamos com várias pesquisas que nos proporcionam várias soluções para os grandes problemas ambientais dentre outros benefícios, como por exemplo a criação de plásticos que se degradam naturalmente sem poluir o meio ambiente.

Até 2015 deverá entrar em operação a primeira fábrica do Brasil de plástico biodegradável feito a partir de cana-de-açúcar, que será construída pela PHB Industrial, empresa pertencente aos grupos Irmãos Biagi, de Serrana (SP), e Balbo, de Sertãozinho (SP). Com capacidade para produzir 30 mil toneladas por ano, o empreendimento é um desdobramento de um projeto financiado pelo Programa de Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) da FAPESP, entre 2001 e 2004.

Batizado com o nome comercial de Biocycle, o plástico pode ser usado na fabricação de peças rígidas como painéis de carros, materiais esportivos, brinquedos e objetos descartáveis como barbeadores e escovas de dentes, além de canetas, réguas e cartões. Uma das vantagens desse produto é que ele se degrada no ambiente em um ano, enquanto os plásticos comuns podem durar até 200 anos. Na verdade, trata-se de um biopolímero da família dos polihidroxialcanoatos (PHA), que são um dos resultados do metabolismo natural de várias espécies de bactérias. O que será produzido na nova fábrica é o polihidroxibutirato ou, simplesmente, PHB, daí o nome da empresa. Seu processo de produção começa no cultivo de bactérias da espécie Alcaligenes eutrophus em biorreatores, nos quais elas são alimentadas com açúcares de cana, principalmente sacarose. Em seu metabolismo, os micro-organismos ingerem os açúcares e os transformam em grânulos (bolinhas milimétricas) intracelulares que são, na verdade, poliésteres.

Esses poliésteres, que nada mais são do que o plástico biodegradável, funcionam como uma reserva de energia para as bactérias, assim como ocorre com gordura nos mamíferos e outros animais. O passo seguinte do processo produtivo é a extração e purificação do PHB acumulado dentro dos micro-organismos. Isso é feito com um solvente orgânico, mais especificamente um álcool chamado propionato de isoamila, que não provoca danos ao ambiente quando descartado. Ele quebra a parede celular das bactérias, liberando os grânulos do biopolímero. “Com 3 quilos de açúcar, obtém-se 1 quilo de plástico biodegradável”, diz o engenheiro de materiais Jefter Fernandes do Nascimento, coordenador do projeto do Pipe e hoje consultor da PHB Industrial.

Antes de chegar nessa fase, o desenvolvimento de biopolímero teve uma longa história. Ela começou em 1992, quando um grupo de cientistas do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) passou a realizar pesquisas nessa área. Numa parceria bem-sucedida com a Cooperativa dos Produtores de Cana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Copersucar) e o Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP), eles descobriram novas espécies de bactérias capazes de transformar açúcar em plástico.

Em 1994, foram concluídos os estudos laboratoriais para as fases de produção, desde a pré-fermentação, a fermentação, a extração e a purificação do biopolímero. No mesmo ano, começaram os estudos para a construção de uma fábrica-piloto, para que a tecnologia desenvolvida em laboratório pudesse ser testada em escala industrial. Ela foi inaugurada no ano seguinte, na Usina da Pedra, em Serrana, com capacidade para produzir cinco toneladas por ano de plástico biodegradável.

Em 1996, as primeiras quantidades produzidas começaram a ser enviadas a vários institutos de pesquisa e empresas, tanto no Brasil como na Europa, Estados Unidos e Japão. O objetivo era avaliar as propriedades do produto e possíveis aplicações. A partir desse ponto do desenvolvimento e em função dos resultados dos testes e aplicações dos institutos de pesquisa e empresas, vários ajustes foram feitos na fábrica-piloto. Em 2000, ela foi remodelada e adequada e sua capacidade de produção passou a ser de 50 toneladas por ano.

Seleção de bactérias
Paralelamente a esse, outro projeto financiado pela FAPESP levou ao desenvolvimento de uma tecnologia diferente para obtenção de plástico biodegradável. Coordenado pela bioquímica Luiziana Ferreira da Silva, então no Agrupamento de Biotecnologia do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), o trabalho tinha como objetivo encontrar bactérias capazes de utilizar o hidrolisado de bagaço da cana para produzir os biopolímeros. Intitulado “Seleção, melhoramento genético e desenvolvimento de processo fermentativo para utilização do hidrolisado do bagaço de cana-de-açúcar para a produção de polihidroxialcanoatos (PHA)”, polímero para plásticos biodegradáveis, o projeto buscava ainda desenvolver um processo de produção destes materiais em biorreatores em escala de bancada.

Clique para aumentar a imagem.
A pesquisadora, que também foi membro da equipe que desenvolveu o bioplástico a partir da sacarose, explica que a hidrólise (quebra estrutural do produto) libera açúcares (glicose, xilose e arabinose) presentes no bagaço, um resíduo da indústria sucroalcooleira. Só depois disso, as bactérias conseguem consumi-los e transformá-los em biopolímero. Ela conta que na época o bagaço era usado apenas na geração de energia, por meio de sua queima, e havia um excedente dele. “Não se pensava ainda no seu potencial uso como matéria-prima para outros produtos, como hoje se quer utilizá-lo para fabricar etanol de segunda geração”, explica. “Propusemos então o seu uso para produzir polihidroxialcanoatos e gerar plásticos biodegradáveis utilizando o hidrolisado do bagaço de cana.”

Para isso, a equipe identificou e selecionou duas espécies de bactérias (Burkholderia sacchari e Burkholderia cepacia), a primeira até então desconhecida, altamente eficientes no processo de síntese e produção do bioplástico do hidrolisado do bagaço. Mas, para chegar a isso, uma série de obstáculos teve de ser vencida. “No nosso projeto, a hidrólise era feita em meio ácido que libera os açúcares, mas também produz uma série de compostos tóxicos para os micro-organismos”, explica Luiziana. “Por isso, tivemos de desenvolver uma metodologia para eliminar a toxicidade do hidrolisado de bagaço e, assim, permitir o seu uso pelas bactérias.” Apesar do sucesso, essa tecnologia ainda não é usada comercialmente.

Isso não quer dizer, no entanto, que o projeto não teve desdobramentos. Em 2004, Luiziana se transferiu do IPT para a USP, na qual hoje uma de suas linhas de pesquisa procura melhorar o uso dos açúcares do hidrolisado do bagaço para gerar os biopolímeros e outros materiais. “Aqui, no Laboratório de Bioprodutos, temos estudado diversos aspectos relevantes para entender e melhorar o consumo da xilose, ou de misturas de xilose, glicose e arabinose, para ter organismos eficientes na produção dos polihidroxialcanoatos”, conta.

De acordo com ela, uma das principais contribuições do seu grupo nesse sentido é propor que a produção de biopolímeros a partir de xilose seja incorporada às usinas de açúcar e álcool, que constituem o melhor modelo do que se define hoje como uma biorrefinaria. “Nela, haveria a produção dos polímeros biodegradáveis a partir da xilose, utilizando insumos tanto para matéria-prima como para os processos de separação, que pode resultar em um processo verde e autossustentável”, explica. “A levedura produtora de etanol poderia utilizar apenas a glicose presente também no hidrolisado do bagaço e nossas bactérias utilizariam a xilose.”

Parceria com a UFSCar
Enquanto isso, o projeto “Obtenção e caracterização de polímeros ambientalmente degradáveis (PAD), a partir de fontes renováveis: cana-de-açúcar”, aquele coordenado por Nascimento e que teve o apoio do Pipe, avançava na consolidação da rota que havia iniciado lá no começo dos anos 1990. Durante os três anos em que durou, o produto foi testado pelos clientes finais e avaliados quanto a suas possibilidades no mercado. “No final do projeto nós havíamos desenvolvido produtos e aplicações específicas para alguns nichos de mercado”, conta Nascimento. “Entre eles, estão as indústrias de embalagens de alimentos, farmacêuticas, de brinquedos, automotiva, além da agricultura.”

Para que a PHB Industrial alcançasse esses resultados foi fundamental a parceria com o Departamento de Engenharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Foi lá que, a partir de 2001, tiveram início os estudos para desenvolvimento de blendas (do inglês blend, ou mistura) e compósitos a partir do PHB. “Durante o projeto apoiado pelo Pipe, fizemos aqui no nosso departamento toda a parte de caracterização do biopolímero e desenvolvemos potenciais aplicações para ele”, explica o pesquisador José Augusto Agnelli, da UFSCar. “A criação de vários produtos, na forma de protótipos também foi feita aqui na nossa universidade.”

Antes disso, foi preciso dar as características necessárias ao plástico produzido pelas bactérias, para que ele pudesse ser transformado em produtos industriais. Ou seja, foram feitas novas formulações com o acréscimo de outros materiais ao biopolímero. “Entre outros, nós colocamos materiais naturais, como fibra de sisal ou farinha de madeira”, explica Agnelli. “Também acrescentamos às formulações resíduos de processos industriais e outros polímeros degradáveis. O objetivo dessas blendas é facilitar e acelerar a decomposição e reduzir custos de produção.”

A empresa PHB Industrial não foi a única beneficiada com o projeto financiado pelo Pipe da FAPESP. A UFSCar também lucrou. “Todos os equipamentos que foram comprados com os recursos da FAPESP para o projeto estão alojados aqui no nosso departamento”, conta Agnelli. “Na terceira fase (Fase III do Pipe), a PHB Industrial se comprometeu e construiu aqui um laboratório, dentro das dependências da Universidade Federal de São Carlos, vinculado ao Departamento de Engenharia de Materiais, denominado Laboratório de Polímeros Biodegradáveis. A universidade cedeu o terreno e a PHB Industrial se encarregou de construí-lo.”

Artigo científico
CASARIN, S. A. et al. Study on In-Vitro Degradation of Bioabsorbable Polymers Poly (hydroxybutyrate-co-valerate) – (PHBV) and Poly (caprolactone) – (PCL). Journal of Biomaterials and Nanobiotechnology. v. 2, p. 207-15, 2011.


Cursos Online com Certificado - Cursos 24 Horas
 

© Copyright 2014. Website by Way2themes - Published By Gooyaabi Templates